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BR- US – ACORDO MILITAR BRASIL-EUA (1952)

Maria Celina d’Araújo

Fundação Getúlio Vargas

CPDOC

 

 

Acordo assinado em 15 de março de 1952 pelos governos do Brasil e dos Estados Unidos, chefiados, respectivamente, por Getúlio Vargas e Harry Truman, com o objetivo de garantir a defesa do hemisfério ocidental. Com o título oficial de Acordo de Assistência Militar entre a República dos Estados Unidos do Brasil e os Estados Unidos da América, estabeleceu basicamente o fornecimento de material norte-americano para o Exército brasileiro em troca de minerais estratégicos. Foi denunciado em 11 de março de 1977 pelo governo do presidente Ernesto Geisel, deixando de vigorar um ano depois.

Antecedentes

Em junho de 1951, a Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) enviou nota ao Brasil solicitando o envio de tropas para a Guerra da Coréia. Realizou-se então uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, na qual se decidiu que a colaboração brasileira na defesa do hemisfério ocidental e do chamado “mundo livre” seria tanto mais eficaz na medida em que o Brasil conseguisse, primeiro, superar seus impasses internos de segurança e desenvolvimento. Impossibilitado de arcar com os custos de uma força expedicionária na Ásia, o governo decidiu estudar outras formas de colaboração, examinando a hipótese de fornecer minerais estratégicos às forças da ONU em troca de um auxílio financeiro de 50 milhões de dólares para o reaparelhamento do Exército brasileiro. Ainda nesse encontro, o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), foi encarregado das negociações com o governo norte-americano.

No decorrer das conversações, os EUA apresentaram a proposta de um acordo nos moldes da convenção militar de 23 de maio de 1942, que estabelecera uma estreita colaboração militar entre os dois países, determinando a formação de comissões técnico-militares para empreender os estudos necessários à defesa mútua e, entre outros dispositivos, garantira às tropas norte-americanas o uso de instalações navais e aeronáuticas brasileiras.

Para dar andamento a esses estudos, no início de 1952 veio ao Brasil uma comissão norte-americana chefiada pelo embaixador dos EUA no Rio de Janeiro, Herschel W. Johnson. Pelo lado brasileiro, foi constituída uma delegação presidida por João Neves da Fontoura, ministro das Relações Exteriores, da qual participavam ainda Góis Monteiro, o almirante Raul San Tiago Dantas, o general Álvaro Fiúza de Castro e o brigadeiro Vasco Alves Seco (os três últimos, chefes dos estados-maiores da Armada, do Exército e da Aeronáutica), o almirante Paulo Penedo e o coronel Idálio Sardenberg, além de assessores diplomáticos.

Em fevereiro, foi criada a Comissão de Exportação de Material Estratégico (CEME), presidida por João Neves da Fontoura, com objetivo de controlar as transações relativas a minerais atômicos.

A assinatura do acordo

 

O Acordo Militar foi assinado em 15 de março de 1952 por João Neves da Fontoura e Herschel W. Johnson, e enviado por Vargas ao Congresso Nacional em 15 de abril, acompanhado de uma exposição de motivos redigida por João Neves. O texto do acordo, composto de 12 artigos, declarava, entre outras coisas, que o governo norte-americano se comprometia a fornecer equipamentos, materiais e serviços ao Brasil, o qual, por seu lado, deveria fornecer aos EUA materiais básicos e estratégicos (art. 8º), especialmente urânio e areias monazíticas.

O acordo foi bastante combatido pelos nacionalistas, chegando a influir na demissão do ministro da Guerra, o general Newton Estillac Leal. As principais críticas referiam-se a seu caráter antinacionalista e a seu favorecimento dos interesses econômicos e militares norte-americanos, em detrimento da soberania brasileira. Para seus adversários, o acordo selava o alinhamento automático do Brasil aos EUA e aos interesses desse país no chamado “mundo livre”, alimentando, assim, o conflito ideológico da guerra fria e acalentando os planos hegemônicos do governo norte-americano no continente.

Outro ponto relevante era que os termos do acordo entravam em choque com os estudos elaborados pelo grupo técnico brasileiro encarregado do programa nuclear nacional, cujo principal mentor era o almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva, presidente do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). Esse grupo não fora ouvido, tendo sido totalmente marginalizado das negociações.

A despeito dos esforços de João Neves, as reações negativas na Câmara dos Deputados fizeram com que o Acordo Militar tramitasse um ano nessa Casa, só sendo aprovado em março de 1953.

 

O rompimento do acordo

O Acordo Militar vigorou sem provocar grandes polêmicas até 1977, quando a administração do presidente Jimmy Carter levantou a questão do respeito aos direitos humanos.

Em 4 de março desse ano, durante o governo militar do presidente Ernesto Geisel, o conselheiro para assuntos políticos da embaixada norte-americana, David Simcox, entregou ao Itamaraty um memorando informal e um relatório enviado pelo Departamento de Estado ao Congresso dos EUA avaliando negativamente a situação dos direitos humanos no Brasil. Esses documentos foram devolvidos ao embaixador John Crimmins, caracterizando a recusa do Brasil em aceitar a atitude do governo de Washington.

Em carta entregue no dia seguinte pelo secretário-geral do Itamarati, Ramiro Saraiva Guerreiro, ao embaixador norte-americano, o governo brasileiro recusou a ajuda militar dos EUA de 50 milhões de dólares para o ano fiscal de 1º de outubro de 1977 a 1º de outubro de 1978, em protesto contra a vinculação dessa ajuda à averiguação da situação do Brasil no tocante aos direitos humanos, conforme o previsto no relatório do Departamento de Estado.

A carta, publicada pelo Jornal do Brasil, dizia: “O governo brasileiro recusa de antemão qualquer assistência no campo militar que dependa, direta ou indiretamente, de exame prévio, por órgãos de governo estrangeiro, de matérias, que, por sua natureza, são da exclusiva competência do governo brasileiro.”

Em resposta ao governo brasileiro, a embaixada norte-americana emitiu nota esclarecendo que, de acordo com a legislação vigente nos EUA — seção 502-B do Ato de Assistência Externa de 1961, ratificado pelo presidente Gerald Ford em junho de 1976 —, o Departamento de Estado tinha que fornecer ao Congresso um relatório sobre a situação dos direitos humanos em cada um dos países que recebiam assistência para segurança (security assistance) dos EUA. A nota acrescentava ainda que não se tratava de ingerência em assuntos internos do Brasil, uma vez que “o ponto de vista do governo dos Estados Unidos é de que a preocupação com os direitos humanos transcende as fronteiras nacionais”.

Dias depois, em 11 de março de 1977, através do Decreto nº 79.376, o governo brasileiro denunciou o Acordo Militar de 1952. A denúncia foi feita nos termos do inciso I do artigo 12, segundo o qual, uma vez denunciado por uma das partes contratantes, o acordo ainda continuaria em vigor pelo prazo de um ano a contar da data da denúncia.

A denúncia do Acordo Militar não implicou o rompimento das relações militares entre Brasil e Estados Unidos. Na verdade, o Brasil havia alguns anos já não vinha mais recebendo material bélico norte-americano por conta do acordo, limitando-se este, nos últimos tempos, a garantir o treinamento de oficiais brasileiros das três forças em escolas militares nos EUA e na Zona do Canal do Panamá. Do lado norte-americano, um número reduzido de oficiais costumava freqüentar no Brasil os cursos de estado-maior e de operações na selva.

 

Após a exclusão do Brasil do programa de assistência militar norte-americana, foram mantidos os programas especiais dos exércitos dos dois países, como os de intercâmbio de alunos de escolas militares e de adestramento de oficiais, bem como as atividades da Comissão Militar Mista Brasil-Estados Unidos. O fato de o Brasil ter aberto mão do crédito garantido pelo Acordo Militar tampouco o impediu de continuar comprando armamentos dos EUA.

O rompimento do Acordo Militar, pelas circunstâncias em que se concretizou, repercutiu favoravelmente entre os setores militares e as forças políticas brasileiras, inclusive as de oposição. Embora também desaprovassem as transgressões dos direitos humanos cometidas no país, os oposicionistas consideraram a atitude do governo um ato de independência. O incidente diplomático gerado pelo episódio foi também em pouco tempo superado.

 

FONTES: ARAÚJO, M. Segundo; BANDEIRA, M. Presença; CHEIBAB, Z. Guerra; COUTINHO, L. General; Jornal do Brasil (6 e 15/3/77).

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