Alexander Krasnov
Apresentamos a entrevista concedida à Voz da Rússia pelo ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim. Ele falou, entre outros assuntos, sobre as relações russo-brasileiras na área técnico-militar. Esta foi a primeira vez que um ministro da Defesa do Brasil falou em exclusivo à mídia russa.
Celso Amorim nasceu em Santos, no estado de São Paulo, há 69 anos. Foi ministro das Relações Exteriores no governo do presidente Itamar Franco e nos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como diplomata, chefiou a Missão Permanente do Brasil nas Nações Unidas, em Nova York, entre 1995 e 1999, quando se tornou amigo de Sergei Lavrov, que hoje é o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia. Depois, assumiu a chefia da Missão Brasileira na Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, Suíça. Em 2001, serviu como embaixador no Reino Unido. Celso Amorim é ministro da Defesa do Brasil desde 8 de agosto de 2011.
– Muito obrigado, ministro, por essa oportunidade. A gente agradece imensamente. Fizemos até um levantamento ainda há pouco e descobrimos que essa vai ser a primeira entrevista de um ministro brasileiro para o público russo. Isso nos enche de muita esperança e muito orgulho.
O senhor esteve com a presidenta Dilma em dezembro na Rússia e foram realizados vários acordos entre os dois países. Mas, como destacou a própria presidenta, a área técnico-militar recebeu um destaque especial. Como está indo essa cooperação agora?
Bom, o acordo de cooperação militar assinado abrange os mais diversos níveis. Por exemplo, havia uma dificuldade de treinamento dos pilotos dos helicópteros russos que nós havíamos comprado. A empresa dava um treinamento básico, mas nós precisávamos de algo mais. E, com esse acordo, nós teremos esse tipo de treinamento militar de maneira mais normal, mais fluida. Além de muitas outras coisas.
A assinatura desse acordo, em si mesma, já é algo muito importante, porque ela abre muitas outras avenidas de cooperação, de formação para trabalhar em áreas avançadas que interessam à Rússia e ao Brasil. Seja na cibernética, na área espacial ou de equipamento militar mesmo.
Houve essa aquisição dos helicópteros de combate, muito bons, e, no início, houve um pouco de dúvida sobre a manutenção. Mas já verifiquei que essas questões estão sendo encaminhadas e, naturalmente, no espírito do próprio acordo de compra, esperamos que haja uma boa transferência de habilidades e competências nessa área.
– Nós sabemos que o chefe do Estado-Maior, o general José Carlos De Nardi, esteve recentemente também na Rússia negociando alguns acordos mais concretos.
É. A ida do general De Nardi foi resultado direto das conversas entre os presidentes. O comunicado conjunto da visita, que singulariza a área de defesa antiaérea, já previa a ida do chefe de Estado-Maior brasileiro para tratar dessa possibilidade de cooperação.
Isso envolve, naturalmente, alguma aquisição, de acordo com as nossas necessidades imediatas, mas também há a expectativa de que empresas russas possam fabricar algum desses equipamentos aqui no Brasil. Agora, as questões técnicas ainda estão sendo discutidas.
A visita foi muito proveitosa. Seguramente, terá uma continuidade agora com a vinda do primeiro-ministro (Dmitri Medvedev), e a nossa expectativa é a de que isso possa caminhar. Claro que tem muita coisa a se discutir ainda, como aspectos financeiros, orçamentários, qual a transferência de tecnologia, treinamento e todas essas coisas.
– Mas uma eventual produção no Brasil desses equipamentos modernos é de interesse brasileiro.
Sim. Não só dos equipamentos atuais, mas quem sabe até de um equipamento que ainda está em desenvolvimento pela própria Rússia.
Isso antecipa um pouco outra pergunta. A Rússia tem exemplos de desenvolvimento conjunto de aviões com outros países. Isso poderia ser um caminho para o Brasil também?
Bom, nesse caso, nós não estamos falando de aviões. Estamos falando desse equipamento de defesa antiaérea. Independentemente da aquisição e da produção no Brasil de equipamentos já existentes, há a possibilidade também do desenvolvimento conjunto de equipamentos mais modernos. Isso está sendo discutido, mas essas coisas levam algum tempo. Essa sugestão surgiu já na reunião do nosso chefe de Estado-Maior Conjunto com o seu correspondente russo e com as empresas. Vou chamar a atenção para o fato de que ele foi lá com várias empresas brasileiras. O que é muito interessante porque isso já vai preparando terreno para uma eventual produção no Brasil, um desenvolvimento tecnológico conjunto.
A Rússia nos informa que existe uma lei que protege a propriedade intelectual justamente na área de defesa entre a Rússia e o Brasil. Esse acordo, na verdade, já foi ratificado pelo parlamento russo e, segundo eles, só falta agora o Brasil ratificar também.
Há um pequeno problema interno, mas isso vai ser superado. Nós tivemos muito recentemente uma lei de acesso à informação, que não tem nada a ver com a parte tecnológica. Então, é preciso estudar todos esses acordos – não só com a Rússia – que envolvem cláusulas de confidencialidade para que possam ficar dentro da lei brasileira. Mas eu não vejo nenhuma dificuldade nisso. É um problema puramente burocrático de atualização.
Entendi.
Quando nós começamos a recolher as perguntas da redação russa, percebemos que lá as pessoas ainda tem pouco conhecimento dos desafios do Brasil na área da defesa. No imaginário russo, o Brasil é um gigante, muito forte, que não tem nenhuma preocupação com a defesa. Eu queria que o senhor falasse um pouco como o Brasil se vê hoje nessa questão.
Que é um gigante muito forte, isso é verdade. E que no futebol a gente nunca se preocupou muito com a defesa – por fazer sempre muitos gols, desde a época do Garrincha –, isso também é verdade. Mas, deixando a brincadeira de lado, obviamente o Brasil não pode ser uma das maiores economias do mundo, ser um dos maiores repositórios de água doce, biodiversidade, de capacidade de produção de alimento, ter a Amazônia do tamanho que é e não se preocupar com a defesa. Não é possível isso.
Embora tenhamos dez vizinhos, nós não temos problemas com nenhum deles. Todos os problemas de fronteira que nós tínhamos foram resolvidos diplomaticamente há mais de cem anos. A relação nossa com todos esses países é uma relação de amizade e cooperação. Mas isso não quer dizer também que nós não temos que defender nossas fronteiras de outras situações: grupos irregulares, traficantes de drogas, etc.
Pelas razões que eu enunciei antes, tendo toda essa riqueza natural, esse parque industrial e essa capacidade de produção que a gente tem, quem garante que, no futuro, um conflito até entre terceiros não poderá ter uma repercussão aqui? Esperamos que não, mas a melhor maneira de evitar isso é ter a nossa defesa. Por isso que eu digo: do ponto de vista regional, na América do Sul, cooperação; do ponto de vista global, dissuasão. Sem perder de vista que também tem que ter cooperação, nada é preto e branco.
Essa é a maior preocupação então? É para dissuasão no caso desses eventos de maior envergadura.
É para o caso de algum país querer se aventurar onde não deve.
– Essa preocupação é muito semelhante ao caso da Rússia...
Eu acho que o Brasil e a Rússia têm muitas coisas em comum. Os dois são do BRICS, são países ricos em energia, com população semelhante, extensão territorial. Claro que há duas grandes diferenças: a Rússia tem bomba atômica e nós não temos e a Rússia é membro do Conselho de Segurança da ONU e nós não somos. Eu espero que em breve só haja a primeira diferença, porque bomba atômica nós não queremos ter.
– E quanto ao projeto do submarino nuclear.
É um submarino de "propulsão nuclear". É sempre bom deixar claro. O que é nuclear no submarino não são as armas que ele leva. O que é nuclear é a propulsão. Ele usará energia nuclear como poderia estar usando diesel ou biocombustível.
É um projeto que está caminhando, está avançando. Os primeiros desenhos, as primeiras capacidades já foram mais ou menos adquiridas, na França. O pacote envolve um submarino nuclear mais quatro submarinos convencionais e nós estamos recebendo a primeira parte dos convencionais. Mas quanto ao desenho e ao projeto do submarino nuclear, nós já estamos bastante avançados. Agora, o que diz respeito à geração de energia é totalmente nosso. A França não tem nada a ver com isso, com a parte do propulsor. É 100% nacional.
– Sobre a licitação do avião, não sei se posso perguntar se tem alguma novidade, alguma previsão…
Perguntar não ofende, mas não tenho nenhuma novidade para dizer no momento. No futuro, outros projetos sempre estarão em aberto.
– Se a Rússia tiver alguma chance de entrar, com seus equipamentos, é só num outro projeto… se aparecer?
Já entrou com os helicópteros.
– Sei. Aliás, tem um projeto de outro helicóptero, pela Odebrecht, se não me engano.
Bom, aí eu não sei se era militar ou civil. Isso não foi conversado em detalhe. O que eu posso lhe dizer sobre o que foi conversado em profundidade na visita da presidenta e gerou muito rapidamente uma missão… Em três semanas mais ou menos, nós mandamos o nosso Estado-Maior Conjunto para os rigores do frio russo…
– Me contaram que ele pegou vinte graus negativos.
Com relação a essa visita e à visita agora do primeiro-ministro Dmitri Medvedev, existe alguma expectativa de assinatura, de fechamento desses acordos?
Eu acho que a questão da defesa antiaérea começou agora. Acho que haverá um relato, é possível que se mencione algum aspecto, algum detalhe que não tenha ficado claro. Não sei se há intenção de se fazer algum outro memorando. O acordo nós acabamos de assinar. Então, da nossa parte, não há necessariamente o desejo. Mas também não excluo a possibilidade de que, se houver uma proposta, ela será examinada.