Matéria publicada VEJA Edição 2349
LEONARDO COUTINHO
A carne atormenta as relações comerciais entre Brasil e a Rússia. Volta e meia, esse país, que é o segundo maior comprador de carne bovina, suína e de frango do Brasil, impõe limites a importações desses produtos por meio do embargos a frigoríficos que não estariam dentro dos padrões sanitários. Pode-ser ate" criticar o excesso de zelo com a carne brasileira, mas não dá para negar a eficiência do governo° russo em defender os interesses de seu país, ainda que os argumentos técnicos sirvam apenas come forma de pressão comercial.
O mesmo não se pode dizer do governo brasileiro. No mês passado, o ministro da Defesa, Celso Amorim, assinou, com o seu equivalente russo, um compromisso para uma compra de armas que, em pelo menos dois aspectos, é um péssimo negócio. Pelo acordo, a Rússia vai vender ao Brasil três sistemas de defesa antiaérea do modelo Pantsir-S I , cada um com quatro ou seis veículos lançadores de mísseis terra-ar, ao custo de 1 bilhão de dólares. O Ministério da Defesa garante que o preço ainda pode ser reduzido, mas a negociação já começou mal: no mês passado, o Iraque comprou o mesmo tipo de equipamento por um quarto do valor unitário que o Brasil está disposto a pagar.
SÓ COMBINARAM COM OS RUSSOS
As baterias russas de media altitude escolhidas pelo governo brasileiro para reforçar a defesa antiaérea durante a Olimpíada de 2016 chegam a custar e triplo das concorrentes e não podem ser transportadas pelo ar, como queriam os militares.
Além de desperdiçar o dinheiro do contribuinte, o governo brasileiro conseguiu desagradar até a caserna com a escolha dos Pantsir-S 1. Há pelo menos cinco anos as Forças Armadas pleiteiam um bom conjunto de baterias antiaéreas. Depois de muito estudo, em 2012 os militares distribuíram à trinta fabricantes estrangeiros um relatório com as especificações desejadas para o equipamento.
Entre outras exigências, as baterias deveriam ser compatíveis com os radares usados no país, caber nos aviões de carga da Força Aérea Brasileira (FAB) e ser equipadas de mísseis com alcance de 30 quilômetros. Pois o Pantsir-S1 não atende a esses requisitos. "Pagaremos um preço aviltante por um equipamento que nem sequer poderá ser integrado ao nosso sistema de comunicação diz um oficial do Exercito que participou das discussões sobre as necessidades da artilharia antiaérea.
Não faltam modelos da concorrência que, além de mais baratos. cumprem com as exigências (veja o quadro). A escolha do Pantsir-S1 só foi feita depois de um encontro entre Putin e Dilma Rousseff em Moscou, em dezembro de 2012. Na ocasião, o presidente russo reclamou que a balança comercial entre os dois países era muito favorável ao Brasil — com um superávit de 1,3 bilhão de dólares em 2011. Comprar armas russas seria uma maneira rápida de equilibrar a balança.
Tabela Dados apresentada na matéria.
Duas semanas depois da reunião, o embaixador da Rússia em Brasília, Sergey Akopov, recebeu do comando logístico do Ministério da Defesa um pedido de informações sobre a representação comercial no Brasil da fabricante do Pantsir-S1. No mês seguinte, os generais brasileiros foram informados de que a concorrência internacional havia sido sustada e que o Planalto tinha combinado diretamente com os russos a compra das baterias. O governo brasileiro também fez chegar aos concorrentes o recado de que a presidente já havia tomado uma decisão política e que não se dessem ao trabalho de apresentar suas propostas. Em julho deste ano, o governo publicou no Diário Oficial os novos requisitos do sistema, revogando o parecer técnico anterior das Forças Armadas. O alcance dos mísseis foi reduzido para 20 quilômetros e a compatibilidade com os aviões da FAB foi suprimida.
Tudo sob medida para comprar o Pantsir-S1. O governo alega que os russos prometeram "transferência irrestrita de tecnologia", mas a verdade é que nem sequer foi dada a chance aos concorrentes de oferecer o mesmo. Além disso, a promessa é pouco verossímil, a julgar pela má fama do serviço de pós-venda dos fabricantes de armas russos. "Os governos que recorrem à indústria bélica russa são geralmente aqueles que não podem comprar armas de democracias ocidentais, como a Síria, ou cujos integrantes querem embolsar uma comissão sem ser incomodados", diz Ilan Berman, especialista em Rússia do American Foreign Policy Council, com sede em Washington.
Em tempo: nas últimas semanas, a Rússia revogou o embargo a uma dúzia de frigoríficos brasileiros.