Paulo Mena Barreto
Especial para DefesaNet
Brasília — As forças armadas têm sérias restrições em buscar soluções fora de fornecedores tradicionais. Boas soluções de empresas chinesas, russas, sul-coreanas e mesmo ucranianas são descartadas sem um exame mais atento de suas qualidades e defeitos.
Com isto, continuamos presos a fornecedores europeus e norte-americanos (há uma notável exceção, Israel), que praticam preços mais altos que seus concorrentes, mesmo que atendam os padrões estabelecidos pela Organização do Tratado do Atlântico Norte. Esta política míope não permitiu que as autoridades militares brasileiras percebessem o potencial de uma cooperação com o Japão, que abriu suas exportações em 2014.
Em primeiro lugar, o Império do Japão segue requisitos estabelecidos pela cadeia logística da OTAN. Seus produtos incorporam componentes similares e compatíveis com os fabricados pelos outros países do Ocidente, principalmente pelos Estados Unidos.
Em segundo, há uma longa relação simbiótica com o Brasil, que teve início com a chegada dos primeiros imigrantes trazidos pelo Kasato Maru em 1908, pelo Porto de Santos (as relações diplomáticas são mais antigas e somam 121 anos). No entanto, há um grande complicador que obstaculiza o intercâmbio nipo-brasileiro: um grande desconhecimento do potencial militar japonês.
O Japão renunciou ao direito de declarar guerra na Constituição de 1947, escrita com supervisão do general Douglas MacArthur, mas manteve o direito à autodefesa. Dentro deste conceito, as Forças Japonesas de Autodefesa são responsáveis pela proteção de um perímetro que se inicia a 300 quilômetros do arquipélago japonês.
Em 1988, o deputado federal Maurílio Ferreira Lima propôs que o Brasil, com profunda tradição pacifista, adotasse o modelo de forças de autodefesa. Apesar de, constitucionalmente, as Forças Armadas brasileiras seguirem este conceito, assessores parlamentares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica lhe procuraram pedindo que retirasse o projeto. Todos achavam que, dentro da nova organização, os militares fossem limitados ao papel de polícia, como na Costa Rica.
Maurílio, pacientemente, explicava que a Força de Marítima de Autodefesa do Japão tinha mais navios de combate que a poderosa Marinha Real britânica; ou que a Força Aérea de Autodefesa do Japão possuía mais e melhores aviões de combate que as forças aéreas da Alemanha e da França somadas, mas esbarrava no preconceito gerado pelo desconhecimento do conceito estabelecido pela Constituição japonesa.
Laços firmados
Em agosto de 2014, o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, visitou o Brasil. A cooperação militar foi um dos itens na longa lista de acordos firmados nos encontros bilaterais com a então presidente da República, Dilma Rousseff. O primeiro passo foi a nomeação pelo governo japonês do primeiro adido militar.
No dia 22 de fevereiro deste ano, o chefe do Estado-Maior da Força Terrestre de Autodefesa do Japão, general de Exército Kiyofumi Iwata, visitou o Brasil e se encontrou com o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante Ademir Sobrinho. Na reunião, constataram que os dois países sabiam muito pouco um sobre o outro. Como primeiro passo, decidiram criar um intercâmbio entre as escolas militares.
O General Iwata também visitou o Comandante do Exército Gen Ex Villas Boas, o Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus e o centro de operações da 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, em Dourados, MS, Base do Sistema de Vigilância e Monitoramento da Fronteira (SISFRON).
O chefe do Estado-Maior da Força Terrestre de Autodefesa do Japão, general de Exército Kiyofumi Iwata, em visita ao chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas do Brasil, Almirante-de-Esquadra Ademir Sobrinho. Foto – MD
Oportunidade e regras
Um bom exemplo do potencial da cooperação entre as forças terrestres dos dois países está na área de blindados sobre lagartas. O Brasil procura um carro de combate moderno, armado com um canhão de 120 mm, detectores modernos e blindagem composta que tenha, no máximo, 40 toneladas vazio. Ele existe. O T-10, concebido para substituir os carros de combate T-74, construídos na década de 1970, começa a equipar os regimentos blindados da Força Terrestre de Autodefesa do Japão.
A classe de contratorpedeiros Akisuki também se enquadra perfeitamente nos requerimentos do Programa de Obtenção de Meios de Superfície (PROSUPER), que prevê a aquisição inicial, com transferência de tecnologia, de cinco escoltas de 6 mil toneladas.
Por questões orçamentárias, o projeto está com atraso de quatro anos. Com base nisto, as fragatas da Classe Niterói terão de receber novos motores para ganharem alguma operacionalidade. A solução prevista, com a adoção de um sistema diesel-elétrico, implica em riscos estruturais, longo prazo para a realização da reforma e alto custo de implantação.
A classe de destróiers Hatsuyuki, formada por 12 navios, que está em processo de desativação, foi equipada com turbinas a gás Olympus fabricadas pela Kawasaki sob licença da Rolls Royce. Por meio de um acordo trilateral, com o pagamento de royalties, algumas destas unidades motrizes poderiam ser vendidas ao Brasil, uma vez que não são mais fabricadas no Reino Unido.
O atraso no PROSUPER também abriu possibilidade para a aquisição de oportunidade que podem interessar o governo do Japão. As propostas apresentadas à Marinha do Brasil foram mal avaliadas em virtude do mau estado de conservação. Os Hatsuyuki, uma vez que empregam motores similares e armamento similar aos empregados na Classe Niterói, poderiam ser uma boa alternativa se fossem arrendados em sistema de leasing, mas, para isto, o Brasil deverá cumprir algumas formalidades.
Em 2014, logo após a aprovação da nova lei, Austrália e Reino Unido se apressaram em firmar um acordo de cooperação tecnológica com o Japão. A razão é simples: o documento estabelece uma série de pré-requisitos para a exportação de produtos e tecnologias de uso dual ou militar. São beneficiados países que possuem uma aliança militar com o Japão, caso dos Estados Unidos; nações que assinaram acordos de cooperação tecnológica, caso da Austrália e da Grã-Bretanha e que fazem parte do entorno estratégico nipônico, como a Indonésia, mas há uma possibilidade de se resolver parte dos problemas da Esquadra mesmo sem um acordo formal.
Faz parte da tradição japonesa ajudar amigos que pedem ajuda, e a amizade nipo-brasileira se fortaleceu ao longo de 128 anos e pode ser comprovada nos milhões de descendentes dos imigrantes nipônicos que participam da construção do Brasil.
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