Humberto Trezzi
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Complemento Redação DefesaNet
Os militares brasileiros partilham da desconfiança de Jair Bolsonaro de que as críticas europeias às queimadas na Amazônia incluem muito cinismo e trazem embutidos interesses econômicos variados. Entre os mais adeptos de teorias da conspiração, as suspeitas são de que os europeus estariam interessados na internacionalização da floresta (fato confirmado na fala do Presidente Macron na coletiva de encerramento do G7).
Entre os pragmáticos, a desconfiança é de que a questão seja mais imediatista: o bombardeio verbal contra os descuidos do Brasil em relação ao ambiente serve é para baixar o preço das commodities agrícolas brasileiras (como o soja), dando uma força aos agricultores europeus.
Feita a ressalva, a diferença entre Bolsonaro e os militares é que esses últimos estão muito preocupados com a intensidade da crise diplomática Brasil-França, porque ela vai se refletir diretamente na operacionalidade das Forças Armadas brasileiras.
Em conversa com um militar graduado, no sábado (24), ele lembrou que as maiores parcerias dos militares brasileiros são com os franceses e a guerra verbal em nada ajuda.
Vamos aos números: o Brasil tem 715 aeronaves (muitas delas velhas e pouco operacionais, é verdade). Dessas, 190 são de fabricação francesa ou fruto de acordos de transferência de tecnologia França-Brasil. É mais que o total de aeronaves brasileiras de fabricação norte-americana: 179.
Além de serem a maior parceria, as aeronaves francesas são as mais novas, sobretudo os helicópteros. O exército tem 82 helicópteros de origem francesa (que é quase o total de aeronaves disponíveis), a Marinha tem 49 e a FAB tem 59 (entre helicópteros e aviões).
Entre os modernos helicópteros franceses que o Brasil usa estão os Pantera, os Cougar e os Super-Puma, todos vitais para proteção da Amazônia. Aliás, os H-36 Caracal já começaram a ser usados no último fim de semana justamente para extinção de focos de queimadas – alguns deles estão adaptados para carregar imensas bolsas com líquido anti-fogo.
Na Marinha a dependência é igual ou maior. Desde 2008, Brasil e França possuem um acordo de transferência de tecnologia para o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), que viabilizará a produção de quatro submarinos convencionais e um de propulsão nuclear, velho sonho dos militares.
Em dezembro passado, o primeiro dos quatro com tecnologia francesa, o S-40 Riachuelo, foi lançado ao mar, e encontra-se em fase de conclusão. Outro, o S-41Humaitá, será lançado no ano que vem. Eles se somarão à frota dos cinco já existentes, antigos, de origem alemã.
Como ficará a transferência de tecnologia e de logística (peças) se Brasil e França continuarem rumo à ruptura diplomática?
Pode ficar em câmera lenta, muito lenta.
Em nada ajuda o Twitter compartilhado hoje pelo presidente Jair Bolsonaro, em que ele acha engraçada a comparação entre a beleza da sua mulher, Michelle, e a mulher do presidente francês Emmanuel Macron. O Presidente francês, aliás, acusou o golpe e já reagiu: "Espero que os brasileiros tenham logo um presidente à altura do cargo", declarou.
Alguns paises equilibram os fornecedores de defesa exatamente para evitar situações como a atual tensão entre Brasil e França. O caso clássico é a Índia que durante a Guerra Fria dividia os fornecedores militares entre a União Soviética (50%) e a Inglaterra e a França. Atualmente divide entre a Rússia e os Estados Unidos. Muitos países árabes fazem o mesmo (Arábia Saudita e Emirados Árabes).
Uma das razões discutidas para a não aquisição do caça Dassault Aviation Rafale, no Programa F-X2, foi o risco de o Brasil colocar todos os ovos na mesma cesta (submarinos, helicópteros e caças).
Essas trocas de farpas são a concretização de um pesadelo para os militares brasileiros.
Maiores Projetos em parceria com a França:
PROSUB – Construção do complexo Naval de Itaguaí/RJ e a produção de 4 submarinos classe Scorpène (o primeiro o S-40 Riachuelo foi lançado no ano passado e está em fase de conclusão). O acordo é com o grupo francês Naval Group. Um discreto apoio dos franceses ocorre no projeto do Submarino com propulsão Nuclear. Projeto sendo desenvolvido pela empresa da Marinha AMAZUL.
O Ministro de Estado das Relações Exteriores da França, @JY_LeDrian, esteve no complexo naval de Itaguaí-RJ, nesta manhã (28), acompanhado do Comandante da Marinha. Desde 2008, ?? e ?? possuem um acordo de transferência de tecnologia para o #PROSUB. pic.twitter.com/ksoLqDSZWA
— Marinha do Brasil (@marmilbr) July 28, 2019
O Ministro do Exterior da França Le Drian, visita Itaguai (28JUL) na semana seguinte não foi recebido pelo presidente Jair Bolsonaro. Pode-se dizer que a crise Brasil-França, tem início aí.
H-XBr– Produção de 50 helicópteros de transporte militar H225M, para o Exército, Marinha e FAB (18 unidades cada) e 2 para a Presidência da República. Maior parte do programa já foi cumprido. O acordo levou a ser construída a planta industrial da Helibras, em Itajubá/MG. Acordo com a Airbus Helicopters.
Helicópteros– A presença francesa nas forças de helicópteros das 3 Forças é expressiva, chegando no caso do Exército a quase 95%. Em 1989 o Brasil adquiriu helicópteros Pantera e Esquilo, para a recém formada Aviação do Exército, em reciprocidade às compras francesas do EMB-312 Tucano.
Mísseis – O programa do Míssil Antinavio de Superfície (MANSUP), em desenvolvimento pela AVIBRAS, SIATT e OMNYSIS, tem como início a remotorização do míssil francês EXOCET da empresa europeia MBDA. O futuro caça F-39 Gripen da FAB terá o míssil BVR METEOR da MBDA.
P-3BR – Avião de patrulha naval de origem americana, que foi incorporado o sistema de missão FITTS pela Airbus Military. Está em curso uma revitalização das asas pela empresa de São José dos Campos, AKAER.
SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação) – adquirido do consórcio francês-italiano THALES-ALENIA. Lançado em um foguete Ariane desde a Base de Lançamento de Kourou, na Guiana Francesa.
Sistema de Controle do Tráfego Aéreo – Este sistema está 100 % baseado na estrutura montada pela antiga empresa francesa THOMSON-CSF, hoje THALES. Os radares são manutenidos e tem uma planta da subsidiária OMNYSIS, em São Bernardo do Campo. Empresas brasileiras como a ATECH (subsidiária da EMBRAER Defesa & Segurança) incorporam spin-offs do programa inicial, iniciado na década de 70.
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