EXCLUSIVO – CNI e a Base Industrial de Defesa

Equipe DefesaNet

Especial Brasília DF

O DefesaNet entrevistou, o Dr. Glauco José Côrte, vice-Presidente executivo da CNI, e Presidente do COMDEFESA. A entrevista ocorreu na sede da CNI, em Brasília DF.

A Confederação Nacional da Indústria – CNI é a instituição máxima de organização do setor industrial brasileiro.

Parte fundamental da sua estrutura são os seus Conselhos Temáticos, órgãos consultivos da Diretoria da Instituição.

Permanentes, reúnem-se periodicamente para discutir e apresentar informações e propostas que servirão para auxiliar as decisões da Diretoria e as ações da Diretoria da CNI. Atualmente são 10 os Conselhos Temáticos e o nosso foco é o Conselho da Indústria de Defesa – COMDEFESA.

Este último, o COMDEFESA, foi implantado em 26 de novembro de 2018, pela Confederação Nacional da Indústria, em evento que contou com importantes representantes das Forças Armadas, com o objetivo de trabalhar para incentivar o crescimento do setor por meio da aproximação da indústria da Defesa com as Forças Armadas, e do alinhamento dos oito Conselhos estaduais existentes naquele momento, ligados às Federações de Indústria em todo o Brasil. Na ocasião, o Presidente do novo Conselho, o Dr. Glauco José Corte, disse que os atores que formam a Hélice Tripla – governo, academia e indústria  “compreendem que a inovação é condição precedente para o avanço tecnológico, o crescimento econômico e o desenvolvimento social”, e devem trabalhar de forma integrada.

Abaixo a entrevista com o Dr. Glauco José Côrte, vice-Presidente executivo da CNI, e Presidente do COMDEFESA. Na entrevista, também esteve presente o Dr. Márcio Guerra, da Diretoria de Educação e Tecnologia da CNI.

DefesaNet – Dr. Glauco Côrte, o sr. poderia nos falar sobre as ações que o COMDEFESA está desenvolvendo?

Dr. Glauco Côrte – Somos um Conselho Temático permanente, criado no final do ano passado. Fui Presidente da Federação de Indústrias do Estado de Santa Catarina e criei na FIESC o Comdefesa Estadual,  e acredito que, por isso, o nosso Presidente, Dr. Robson, convidou-me para presidir este Conselho.

Nosso objetivo é trabalhar no que se convencionou chamar Triplíce Hélice: academia, indústria e  governo, ou seja , as Forças armadas    e Forças auxiliares          , auxiliado pelo nosso papel, por expressa recomendação do presidente, Dr. Robson Andrade.

Um é trabalhar articuladamente com os Comitês de Defesa dos Estados, que atualmente são 8: Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná,  São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Goiás. Nosso papel é um papel de articulação, de facilitação, de ajudar, de trabalhar articuladamente com os comitês estaduais.

O outro é, de um lado, conhecer as demandas das Forças Armadas e das Forças auxiliares e, de outro, fazer o alinhamento dessas demandas com o setor industrial e, na medida em que seja necessário, preparar o setor industrial brasileiro para atender com qualidade as demandas das Forças Armadas e das Forças auxiliares.

Uma das primeiras medidas que tomamos foi no sentido de conhecer os desafios, as dificuldades das indústrias do setor, e neste sentido realizamos uma pesquisa qualitativa, coordenada pela Unidade de Estudos e Prospectiva da Diretoria de Tecnologia e Educação da CNI, programa no qual está envolvido o Dr. Márcio Guerra.

A pesquisa buscava respostas para as seguintes questões: Qual são os temas que  a indústria de defesa e segurança considera prioritários? Quais são as principais dificuldades que este setor enfrenta?

Foram indicadas como principais  questões:  a do financiamento, que é um tema recorrente; a questão de previsibilidade orçamentária, que é um grande problema na indústria de defesa,  como se preparar e ter sustentabilidade se não sabemos se no ano seguinte este orçamento das Forças Armadas será mantido, e a outra questão que apareceu também com muita clareza foi a do mercado externo, como situar a indústria de defesa brasileira no mercado externo e, claro, também , a questão da tecnologia e inovação. Essas questões foram consideradas prioritárias pela indústria de defesa. São temas considerados prioritários pelo setor industrial.

Nosso papel agora é preparar estes temas, aprofundá-los, ter uma maior precisão no conhecimento dos desafios e das dificuldades e transformar o resultado desse nosso trabalho.

Agora vamos iniciar uma pesquisa quantitativa, estamos em vias de contratação, justamente para termos um conhecimento mais preciso sobre o que a indústria de defesa e segurança está posicionando em relação à sua atuação.

Estes temas que eu alinhei serão trabalhados no âmbito do COMDEFESA, com grupos de trabalho específicos dos integrantes do COMDEFESA e o que nós esperamos é que o resultado disso sejam propostas, que nós queremos encaminhar e discutir com o governo e a própria indústria, no sentido de fortalecer a cadeia produtiva.

Então estamos nessa fase de contratação e estamos trabalhando muito em sintonia com a  Associação Brasileira das Indústrias de Material de Defesa e Segurança – ABIMDE, com o Presidente Gallo, e com o próprio Sindicato Nacional da Indústria de Material Bélico – SIMDE, exatamente para termos uma sintonia fina, entre o que faz o COMDEFESA  Nacional, os COMDEFESAS estaduais , as Forças Armadas e a indústria.

Então estamos nessa fase agora, de elaboração e contratação da 2ª fase desta pesquisa.

Temos um grande apoio e incentivo nesse trabalho que é a participação do General Eduardo Dias da Costa Villas Boas, que é o nosso consultor na área de Defesa, participando em todas as nossas reuniões, que são 4 por ano.

DefesaNet – Como as questões ligadas ao mercado externo – como por exemplo, a oficialização, por parte dos EUA, do Brasil como aliado preferencial extra OTAN, e a questão do acordo Mercosul – União Europeia – impactam o setor de Defesa brasileiro?

Dr. Glauco Côrte – O que nós percebemos é que há um propósito firme da indústria em ter uma inserção maior no mercado externo.

A questão do Brasil como um aliado extra-OTAN implica em cadastrarmos o setor industrial para poder fornecer ao mercado externo. Esta é uma das exigências que teremos que superar. Então, esse também será o nosso papel, de facilitar, de instruir, de preparar, apoiar as nossas indústrias para poder permitir a catalogação, para que as nossas indústrias sejam inseridas no catálogo da OTAN em relação ao fornecimento de produtos de defesa.

Tanto a questão da OTAN como a do Mercosul, sem dúvida, a nossa avaliação é muito positiva. Nós vemos como uma grande oportunidade de consolidar a nossa inserção no mercado externo.

DefesaNet – Como o senhor vê  as questões da competitividade da nossa indústria em relação a estas novas questões ligadas ao mercado externo?

Dr. Glauco Côrte – A nossa indústria, na média, é competitiva. Os industriais brasileiros têm investido, até por demanda das Forças Armadas. Nós sabemos que em todos os países as Forças Armadas são fonte de desenvolvimento, de inovação e de tecnologia. As nossas indústrias, na média, são bem situadas, mas certamente, como toda a nossa indústria,  temos que nos adaptar a um novo padrão de referência industrial que chega para nós, que é o da indústria 4.0. Isso também chega na Indústria de Defesa. E para isso, no nosso caso, nós   temos um grande desafio, que é o de preparar os trabalhadores atuais, e os que chegarão nos próximos anos no mercado de trabalho, para esse chamado novo sistema de manufatura, essa nova Revolução Industrial.

Em termos de equipamentos, não há muita dificuldade, desde que o investidor, o industrial, adquira maior confiabilidade institucional. Nós estamos caminhando para isso com a retomada do crescimento.

E temos este desafio de qualificação de nossos trabalhadores.

Estima-se que hoje o setor tenha cerca de 60.000 trabalhadores diretos e 240.000 indiretos, e são trabalhadores qualificados, a sua remuneração é até um pouco acima da média industrial brasileira.

Temos este desafio e nós, no âmbito da  CNI, temos condições de ajudar a indústria brasileira

Recentemente a CNI investiu em torno de R$3 bilhões nos chamados 26 Institutos SENAI de educação. Estes institutos serão cruciais, vitais para esta nova fase da indústria brasileira.

Temos mais de   700 milhões de projetos contratados no país, sempre voltados para   novas tecnologias, inovação, melhoria de competitividade.

Então estamos confortáveis ao dizer que a CNI – através do SENAI e seus institutos –  tem condições de ajudar a Indústria de Defesa e de Segurança a se preparar para este novo desafio mundial de competitividade.

Dr. Márcio Guerra – Como o Dr. Glauco falou, do ponto de vista de tecnologia, de conhecimento, de estrutura, de possibilidade de desenvolvimento tecnológico, o Brasil está pronto.

Tem se discutido muito a questão da isonomia para alavancar a competitividade. A questão tributária, nós entendemos e a indústria tem se posicionado assim, não queremos nenhum incentivo, mas só isonomia, para competirmos no mercado alemão, para competirmos no mercado inglês, etc.

Esse é um entrave que acaba prejudicando a entrada, mas do ponto de vista da tecnologia e da capacidade instalada da indústria, a gente tem plena capacidade.

Dr. Glauco Côrte – O Dr. Márcio está falando do Custo Brasil, que é muito mais elevado do que o dos nossos competidores. Nós temos que competir com eles no mercado interno  , porque hoje há uma participação muito grande de produtos importados no Brasil, e temos que competir lá fora, e em condições de desvantagem, porque o nosso custo tributário e trabalhista, o chamado Custo Brasil, é muito mais elevado do que o dos nossos concorrentes.

Nós esperamos que a reforma tributária talvez promova um pouco mais de equilíbrio em relação a estas desvantagens que nós temos hoje em relação aos países que competem conosco.

DefesaNet- Quando olhamos para esta experiência que os senhores apresentaram, dos Institutos da CNI, os Institutos SENAI de Inovação, nosso otimismo cresce muito. Como está a qualificação dos trabalhadores do setor no brasileiro?

Dr. Marcio Guerra – Quando olhamos para o grupo das indústrias de Defesa, o nível de qualificação, as indústrias de Defesa têm, em número de técnicos, 3 vezes mais técnicos e 3 vezes mais engenheiros do que a média. São extremamente qualificados, com salários que são quase o dobro.

Então, essa característica traz uma enorme qualificação, com uma capacidade de diálogo muito grande.

Dr. Glauco  Côrte –  É um setor de profissionais altamente qualificados. Aí está a nova tecnologia.

DefesaNet – Em relação à visibilidade do setor de Defesa, como a sociedade percebe a relevância do setor, como a CNI planeja trabalhar para reforçar a importância do setor?

Dr. Márcio Guerra – Nós temos uma questão do posicionamento estratégico da indústria de Defesa e da sua relevância para o desenvolvimento do País.

A CNI está trabalhando na melhoria da percepção da importância do setor de Defesa e de Segurança para o desenvolvimento, pois este é um setor, o da Defesa, que dá origem a uma enorme parcela de tecnologias e de inovação.

Esta questão, a da comunicação, da comunicação para a sociedade, é um dos pontos que a CNI está focando.

Dr. Glauco Côrte – Nós queremos, na CNI, trabalhar para melhorar a imagem junto à sociedade da Indústria de Defesa.

A CNI trabalha com uma alta integração entre todos os seus Comitês e a fragmentação do setor é algo que preocupa a CNI.

O COMDEFESA está criando  Grupos de Trabalho, a partir de cada uma das questões levantadas na pesquisa, e pretendemos trazer os vários atores para a discussão destas temáticas. E pretendemos sair desta discussão com uma proposta concreta, para trabalharmos a partir dela.

A indústria de Defesa precisa ser colocada no seu lugar estratégico, para desempenhar o seu papel estratégico.

O desafio é de uma agenda propositiva, com uma proposta concreta, a partir da escuta com profundidade, através da nossa pesquisa. Não queremos fazer nada que não esteja alinhado com a indústria de Defesa e de Segurança. O que eles precisam, quais são as dificuldades. Por exemplo, esta questão da imprevisibilidade, é um problema enorme para as Forças Armadas. E que repercute na indústria.

A indústria de Defesa e a indústria de Segurança precisam ter um horizonte. Trabalha num produto pontual, mas precisa ter garantias de que aquele produto, a partir da encomenda feita, terá demanda. Temos um trabalho árduo pela frente, mas estamos convencidos que podemos ajudar os dois setores, com a nossa experiência, com os nossos instrumentos. Este é o nosso desafio, nosso papel.

Dr. Marcio Guerra – No campo da inovação, como o Dr. Glauco falou sobre os 26 Institutos, por exemplo, na encomenda tecnológica, o desafio é a viabilidade da empresa em investir numa nova tecnologia, na prototipação de um novo equipamento ou outra tecnologia. Então, é preciso dinheiro, então não adianta as Forças Armadas dizerem: Eu quero isso. Mas a indústria pergunta: Mas você vai comprar? Aí entra a previsibilidade orçamentária. Mas no meio do caminho também tem a viabilidade deste investimento, do desenvolvimento desta tecnologia.

E aí entram os Institutos de Inovação, para compor a Tríplice Hélice, para estas encomendas tecnológicas terem mecanismos de financiamento do desenvolvimento destas tecnologias. Até antes da empresa.

Dr. Glauco Côrte – Em julho deste ano fizemos uma imersão com o Exército Brasileiro, generais e outros oficiais. Passamos por Rio Grande do Sul, Santa Catarina,  São Paulo, Minas Gerais e Bahia, foram 5 dias, cada um num estado, conhecendo os institutos, no que eles podem apoiar as Forças Armadas, novos produtos.

E nós temos projetos de alto conteúdo tecnológico, como, por exemplo, o Instituto de Santa Catarina está desenvolvendo o primeiro satélite completamente nacional, uma encomenda da VISIONA, associação entre TELEBRAS e EMBRAER. Já há um protótipo.

Na Bahia tem o flatfish, submarino de manutenção de tubos, o Paraná está desenvolvendo a tinta regeneradora. Estes são dois, três exemplos.

A tecnologia já existe.

E isso passa pelo Congresso Nacional, na discussão da questão orçamentária.

A CNI, através do Dr. Márcio Guerra, tem trabalhado com o General Neiva, da APEX, na formulação de um estudo para trabalhar junto ao Congresso Nacional.

Dr. Marcio Guerra – Para trabalhar junto ao Congresso, nós temos trabalhado com a cadeia produtiva do Exército, para mostrar o impacto social que os gastos do Exército acabam gerando numa quantidade enorme de municípios, empresas e na vida das pessoas.

É uma massa muito grande, então quando se toma uma decisão de contingenciamento ou corte no orçamento da Defesa e que isso afeta um projeto, nós estamos conseguindo mapear o impacto social que este corte terá nos diversos territórios brasileiros.

Isso é muito importante para montar o diálogo dentro do Congresso.

Então estamos pegando os 16 projetos estratégicos,  e detalhando isso para mostrar como esse impacto econômico e social do contingenciamento tem no desenvolvimento e na vida dos municípios. Isso é muito importante para montarmos um diálogo.

Dr. Glauco Côrte – Nós da CNI estamos muito motivados. Trabalhamos integradamente, os vários Comitês trabalham junto nesta direção de demonstrar a importância do setor de Defesa e do setor de Segurança para o Brasil.

Entendemos que estamos vivendo uma era de oportunidades. É a grande oportunidade do Brasil avançar em termos tecnológicos, e chegar ao lado dos países mais desenvolvidos, com este forte investimento que está sendo feito em tecnologia e inovação.

Além do SENAI temos 6 Centros de Excelência do SESI, voltados para a saúde a segurança do trabalhador. São mestres, doutores, professores, pesquisadores. 

O País não pode perder esta chance. Todos os países estão envolvidos nesta nova revolução. É a chance que temos de evoluir juntamente com eles.

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