Mauro Santayana
Acordo “costurado” ontem, no Senado, permitiu a aprovação, em comissão especial, de medida provisória que prevê subsídios à aviação regional, da forma como pretendia a Azul Linhas Aéreas.
Isso evitou que o projeto viesse a beneficiar, indiretamente, fabricantes estrangeiros de grandes aviões, como a Boeing e a Airbus, e ajudou a indústria brasileira, por meio da Embraer, que, no entanto, adquire boa parte das peças de suas aeronaves no exterior.
A surpresa ficou por conta de uma alteração feita de última hora no texto, aprovando a compra de até 100% do capital de companhias de aviação brasileiras por estrangeiros, indo contra o que se pratica em boa parte do mundo.
Se nossas grandes empresas, como a Gol, forem totalmente desnacionalizadas, o que ocorrerá quando gerentes norte-americanos ou europeus começarem a destratar funcionários nacionais de companhias aéreas aqui adquiridas, ou fizerem o mesmo com viajantes brasileiros em nossos aeroportos?
Ou se a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) ou as autoridades do governo federal tiverem suas regras contestadas, e forem processadas em tribunais de Atlanta ou Forth Worth, onde ficam situadas sedes de empresas estrangeiras, quando tentarem fazer valer sua autoridade, ou tomarem alguma decisão que contrarie, eventualmente, interesses de grupos como a Delta e a American Airlines?
Isso, sem falar de outros riscos, ligados à segurança nacional, como a entrada clandestina de pessoal ou de equipamento não autorizado de outras nações em nosso território, caso a maioria das ações — e o comando de nossas companhias de aviação — venha a ficar em mãos estrangeiras, como se pretende, sem a exigência, ao menos, de uma maioria de capital nacional.
Mas, o pior de tudo é a cabotinice, a cessão apressada de vantagens, com o mais absoluto desprezo pelos critérios de isonomia e reciprocidade. Nem na Europa, nem nos Estados Unidos, empresas estrangeiras de aviação — incluídas as brasileiras — podem voar no mercado doméstico, e está vedado ao capital estrangeiro o controle de companhias locais de aviação.
Na União Europeia, empresas de fora desse grupo de países não podem adquirir mais de 49.9% das ações. E nos EUA, toda uma legislação protege o mercado com a intenção expressa de “garantir a proteção dos consumidores e dos empregos nos Estados Unidos".
Enquanto isso, no Brasil, queremos abrir, graciosamente, com uma canetada, aquele que já é o segundo maior mercado do mundo em número de aeroportos, e será, segundo a Iata (Associação Internacional de Transportes Aéreos), depois dos EUA e da China, o terceiro maior mercado doméstico do planeta, em 2017, daqui a apenas três anos, sem exigir absolutamente nada em troca.
O mercado brasileiro de aviação passou de 37,2 milhões de passageiros de avião em 2003 para mais de 100 milhões em 2012 — 88,7 milhões deles transportados em voos domésticos e 18,5 milhões nas rotas internacionais. O número alcançado em 2012 representou uma proporção de 55 passageiros transportados no modal aéreo para cada 100 habitantes no Brasil, enquanto que em 2003 essa mesma proporção era de 21 para 100.
É esse gigantesco negócio, com um enorme potencial de lucro e crescimento, que estamos entregando, de mão beijada, aos estrangeiros. Isso, caso não seja vetado o dispositivo apresentado, ontem, pelo relator da MP 652, o senador Flexa Ribeiro, do PSDB do Pará, que revoga a parte do Código Brasileiro de Aeronáutica, que exige que ao menos quatro quintos do capital votante das companhias aéreas instaladas no Brasil pertençam a nossos cidadãos.