“Ataques aéreos cirúrgicos” são mesmo precisos?

Nesta quinta-feira (07/08), o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou que havia autorizado ataques aéreos direcionados contra posições do chamado Estado Islâmico, o grupo radical sunita que ocupa regiões do Iraque e da Síria.

O conceito desses chamados "ataques cirúrgicos" é bem atraente para estrategistas militares. Utilizando esse método, governos conseguem atingir objetivos sem pisar no território inimigo, obtendo um mínimo de baixas em seus efetivos, além de, segundo eles, causar poucos "danos colaterais", eufemismo que inclui a morte de civis.

Mas uma análise mais aprofundada de operações passadas que utilizaram esse tipo de ataque mostra que nem sempre essa estratégia é assim tão "limpa".

Iraque, 1991

Em 17 de janeiro de 1991, uma coalizão liderada pelos EUA começou uma operação aérea de bombardeio sobre o Iraque antes da ofensiva terrestre de 23 de fevereiro para retomar o Kuwait de forças leais ao então ditador Saddam Hussein.

Foram mais de 100 mil ataques, durante os quais 88.500 toneladas de bombas foram lançadas. A operação tinha como alvo estruturas civis e militares.

A campanha aérea ficou conhecida por seu uso de "bombas inteligentes" que, segundo a coalizão, reduziriam imensamente os danos colaterais – entre eles, a morte de inocentes.

No entanto, avaliações posteriores indicaram que as bombas guiadas foram uma minoria e, na esmagadora maioria das vezes, foram usados explosivos convencionais.

Apesar de a coalizão afirmar que os ataques foram de natureza "cirúrgica", estima-se em mais de 2 mil o número de civis iraquianos que perderam suas vidas durante a ofensiva.

A estratégia terrestre, depois de iniciada, conseguiu tirar as forças iraquianas do Kuwait em 100 horas. Saddam Hussein, entretanto, ficou no poder até 2003, quando foi deposto em outra operação liderada pelos americanos, esta também conhecida como a Segunda Guerra do Golfo.

Kosovo, 1999

A operação das forças aliadas da Otan começou em 24 de março de 1999, depois de a força de paz liderada pelo órgão fracassar em produzir resultados.

O objetivo da operação era impedir uma nova onda de ofensivas lançadas pelas forças sérvias contra os kosovares de origem albanesa em 20 de março.

Desde o início da campanha, que durou até 10 de julho do mesmo ano, a Otan afirmou que sua maior preocupação era minimizar o número de vítimas civis. Para este fim, a organização usou os chamados PGMs – munições guiadas de precisão – em muitos de seus ataques.

No entanto, durante os 78 dias da ofensiva, o uso desse tipo de arma diminuiu de 90%, no início da operação, para cerca de 10% a 20% em seus dias finais.

O secretário de Defesa dos EUA na época, William Cohen, disse em 9 de setembro de 1999 que apenas 20 incidentes de "consequências inesperadas" foram registrados.

A Human Rights Watch (HRW), porém, discordou. A organização, que monitorou de perto as baixas civis durante o período, confirmou pelo menos 90 incidentes no qual inocentes morreram em bombardeios realizados pela Otan.

Segundo a HRW, até 528 civis iugoslavos foram mortos em 90 incidentes separados. Talvez o mais controverso deles tenha sido o bombardeio de 7 de maio na Embaixada da China em Belgrado, que matou três jornalistas chineses e causou uma crise diplomática entre Washington e Pequim.

Para críticos da operação, o fato de as missões terem sido conduzidas de uma alta altitude para evitar baixas entre os pilotos da Otan foi um dos fatores que contribuiu para a morte de civis.

A operação, realizada sem um mandato das Nações Unidas, no entanto, pode ter contribuído para uma solução política para o conflito: os bombardeios terminaram quando a Sérvia concordou com um tratado que previa a troca de forças do país em Kosovo por uma tropa de paz da Otan.

Líbia, 2011

Em 19 de março de 201, uma coalizão de vários estados deu início a uma operação cujo objetivo era implementar a resolução da ONU que autorizava "todas as medidas necessárias" para pôr um fim aos ataques contra civis perpetrados pelo regime de Muammar Kadafi.

A Otan assumiu o comando da operação em 25 de maio, incluindo a imposição de uma zona de exclusão aérea e um embargo de armas.

Aviões de guerra da organização sobrevoaram os "alvos de ataque", sobre os quais foram lançados 7.700 bombas ou mísseis até o fim da operação, em 31 de outubro, após a morte de Kadafi, no dia 20 do mesmo mês.

O secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, disse em novembro que a campanha havia sido realizada de maneira "cuidadosa, sem mortes confirmadas de civis".

O governo líbio, no entanto, colocou o número de mortos na casa dos milhares – estimativa considerada por muitos como "exagerada".

Fontes independentes, porém, disseram que havia relatos críveis de dezenas de civis que foram mortos em diversos ataques.

A Otan depois modificou sua posição oficial, afirmando que lamentava "qualquer perda de vida". O número real de mortos talvez nunca seja conhecido.

Críticos ainda afirmam que, em vez de ter salvado vidas de civis, a campanha da Otan na verdade aumentou o número de mortos por ter prolongado o conflito na Líbia – a intervenção da organização ajudou os rebeldes que lutavam contra Kadafi a retomar o combate num momento em que estavam, na verdade, em retirada.

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