Uso de métodos computacionais e análise numérica no desenvolvimento dos fuzis de assalto do século XXI

Luciano das Neves Pereira Pinto Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

Prof. Dr. Marcelo Cavalcanti Rodrigues (Orientador) Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

Prof. Dr. Gills Vilar-Lopes (Coorientador) Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

A atuação dos órgãos de Defesa em questões de Segurança Pública tem sido corriqueira no Brasil[1][2]. Essa opção ganhou notoriedade a partir do seu uso nos grandes eventos situados no Brasil ao longo dessa década, como RIO +20, na Jornada Mundial da Juventude, a Copa do Mundo FIFA e as Olimpíadas, além da garantia da lisura das eleições[3].

Embora uma corrente majoritária da literatura de Estudos Estratégicos mostre-se, operacional e conceitualmente, crítica quanto a essa performance das Forças Armadas em cenários urbanos, ela tem sido pautada – e demandada politicamente – naquilo que a Constituição Federal chama de operações de garantia da lei e da ordem. (GLO) (BRASIL, 1988, art. 142, caput)[4].

O presente artigo não oculta que o “lócus precípu”o do poder militar é o cenário de guerra com um inimigo externo que afronte a soberania nacional, e não necessariamente a manutenção cotidiana da ordem social, e da paz interna, tarefa está, constitucionalmente definida[4] das forças policiais ou de aplicação da lei (law enforcement).

Mesmo assim, a própria Estratégia Nacional de Defesa (END) também prevê o uso militar em operações de GLO (BRASIL, 2012, p. 129), tornando inevitável sua atuação no teatro de operações urbano, como vem ocorrendo, por exemplo, no Rio de Janeiro[1][2]. Atuação das forças armadas no cerco em apoio ás forças policiais na favela da Rocinha.

A expansão das zonas urbanas cria um novo desafio à guerra moderna (SPILLER, 2003). Isso reverbera não apenas nos tomadores de decisão militar, como também nos projetistas de armas. Desenvolver armas precisas, eficazes e com alta mobilidade nos espaços urbanos deve ser uma meta a ser buscada (AVERY, 2012; SPILLER, 2003), que encontra eco com a já mencionada END:

O militar brasileiro […] [n]ecessita dominar as tecnologias e as práticas operacionais exigidas pelo conceito de flexibilidade. Deve identificar-se com as peculiaridades e características geográficas exigentes ou extremas que existem no País. (BRASIL, 2012, p. 57).

A fim de adaptar o armamento utilizado nessas operações para serem, ao mesmo tempo, menos letal para a população diretamente impactada, mais preciso e flexível ao combatente na sua atuação em ambientes urbanos e ao mesmo tempo apresentando uma performance eficaz, se faz necessário analisar plataformas já testadas e conceituadas e tomar como base para o projeto de novos equipamentos.

A análise numérica termoestrutural transiente através de modelos matemáticos analíticos, computacionais e método dos elementos finitos (MEF) é um dos primeiros passos em qualquer estudo que vise a otimização e redução do comprimento do cano de fuzil.

Em resumo, o fuzil de assalto M16 cria uma família de armas já largamente estudadas e testadas. Sua utilização nos campos de batalha do século XX e início do XXI demonstraram tratar-se de um equipamento fiável tanto do ponto de vista da fabricação em série quanto da utilização em diferentes cenários de operação.

Figura 2 – Família de armas M16 (Steemit.com [7])

Apesar dos inúmeros problemas apresentados na sua primeira versão, estes foram corrigidos no curso de suas atualizações e modernizações[7]. A evolução das técnicas de fabricação, novas ligas-metálicas e novos métodos de análise traz consigo a obrigação de reavaliações tecnológicas periódicas. É a partir dessa perspectiva que se fundamenta o objetivo geral desta pesquisa, qual seja: propor possíveis inovações tecnológicas no M16A1.

A análise termoestrutural transiente do cano de um fuzil, submetido a condições operacionais de temperatura e carga, e o uso de modelos analíticos e de simulação numérica (como o MEF – Métodos dos Elementos Finitos) é um dos primeiros passos para o desenvolvimento de um projeto mecânico de um novo cano que tenha como base o projeto do M16A1.

Figura 3 Desenho em CAD do M16A1 idealizado para neste projeto

Fonte: elaboração própria.

As resoluções de problemas físicos complexos, a exemplos dos fenômenos balísticos, necessitam da criação de modelos físicos que simplifiquem, descrevam e permitam serem resolvidos matematicamente. Os fenômenos balísticos são estocásticos, de tal forma que o projetista não consiga prever todas as possibilidades de eventos não podem ser previstas durante o projeto[8].

BHASKARA e SHARMA em 1982 apresenta o estado da arte em a balística interna até então desenvolvido, e chama atenção para o método de Heydenreich. Esse modelo de balística interna baseado em dados empíricos se mostrava fiável e bem testado.

A empresa suíça, à época, chamada OERLIKON-BÜHRLE, A.G, havia trabalhado o método e desenvolvido tabelas experimentais com as funções que determinam os parâmetros da balística interna. Esse método permite, de forma simplificada, determinar a curva balística (pressão na base do projétil e velocidade) em relação a posição e ao tempo de deslocamento do projétil no cano.

Ambos os métodos são analíticos, cujas resoluções são determinadas por métodos numéricos computacionais. As resoluções desses modelos fornecerão os dados necessários para a análise numérica, ou simulação numérica. Simulação numérica, ou análise numérica pelo Método dos Elementos Finitos (MEF) com uso de software como ANSYS®, FEMFAT®, CATIA® e etc. Esses softwares permitem analisar de forma rápida e com menor custo, quando comparado com ensaios reais ou prototipagem convencional, os esforços e variações de parâmetros geométricos ou de materiais dentro outros parâmetros em um projeto.

O MEF é um método numérico de resolução de equações diferenciais que permite, através de softwares computacionais, a solução de modelos complexos que de outra forma seriam difíceis ou impossíveis de resolver. O método consiste na redução de geometria complexas a elementos menores, de dimensões finitas e através de métodos numéricos apropriados aplicado a geometria da peça, levando em consideração as características do material, das cargas impostas, e das condições de contorno é possível determinar as respostas que o objeto em estudo terá sob suas condições de funcionamento (Kim e Sankar, 2011).

O Método de Elementos Finitos (MEF) nos fornece uma alternativa aos modelos analíticos que nos fornecem resultados dentro de uma margem de erro aceitável para a engenharia. Com os progressos da informática e de softwares cada vez mais poderosos, o Ansys® nos permite resolver problemas que cada vez mais complexos.

A primeira etapa da solução de um problema via MEF com uso de simulação, é a geração da Malha de elementos finitos. Só é possível a solução discretizando o modelo físico em elementos e nós. Essa malha deve ser refinada e melhorada, seja pela redução da malha, pela modificação da geometria dos elementos ou aumento da ordem e números dos nós e etc. Uma malha refinada garantirá um resultado com menos erro, entretanto, um excesso do refino dessa malha também leva a ocorrência de erros e discrepância.

Figura 4 – Métodos dos Elementos Finitos aplicado na forma de malha sobre o cano do fuzil M16A1

para uso no software CAE.

Em seguida a esse processo, vem a resolução do problema dentro do ambiente de simulação. A simulação é transiente, ou seja, ela varia com o tempo de forma que não se considera apenas o estado inicial e final do problema.

A simulação entra dentro de um contexto maior de projeto. O uso de ferramentas computacionais de otimização de equipamentos consiste em uma importante ferramenta, uma vez que permite a verificação rápida do comportamento, do cano do fuzil, por exemplo, com pequenas variações dos parâmetros.

Figura 5 – Diagrama metodológico de projeto.

O presente artigo se insere dentro de um contexto maior de pesquisa, sendo uma descrição mais detalhada do artigo: “Análise termo estrutural transiente de um barrel do M16a1” apresentado no III Seminde (Seminário Internacional de Defesa), realizado entre 8 e 10 de novembro de 2017, na região de Santa Maria. No qual foi apresentado nas Área Temática 4 – Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação nos Setores de Defesa e Segurança Pública, na seção do evento voltado para a área acadêmica na categoria de iniciação científica.

No seminário foi exposto a proposta metodológica e o resultado do cálculo analítico numérico- computacional pelo método de Heydenreich-Vallier, a curva balística, e demonstrado os outros métodos e desafios no desenvolvimento do modelo computacional para solucionar a análise numérica, simulação computacional, através do software CAE (Computer Aided Engineering, numa tradução livre: engenharia assistida por computador) Ansys®.

Os TO’s modernos apresentam grandes desafios não só aos estrategistas militares bem como os projetistas de armas. O Teatro de Operação urbano é extremamente dinâmico e mutável.

Por um ambiente mutável podemos entender que os desafios operacionais variam constantemente, assim como as situações operacionais, onde os locais em que o inimigo se apresenta não encontra sobre um front bem definido com um nível de proximidade do combate totalmente variável, daí a dinamicidade.

O projetista de armas moderno deve utilizar além da experiência dos militares, e das operações, os mais modernos instrumento computacionais disponível para a engenharia. No século XXI a principal “arma” do engenheiro, é o computador. Sem ele é impensável a criação de novos produtos em qualquer área que seja.

Os métodos computacionais permitem ao projetista simular e testar virtualmente seu projeto em tempo real e ver como ele vai se comportar, antes mesmo de ensaios físicos com protótipos. Ferramentas de desenho, análise numérica de matemática algébrica ou de prototipagem virtual garantem ao mesmo tempo, projetos mais confiáveis e testados, bem como um menor custo de desenvolvimento.

Notas:

[1]https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/09/22/ministerio-da-defesa-autoriza-cerco-do-exercito-a-rocinha.htm

[2]https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/forcas-de-seguranca-realizam-operacao-em-morros-do-centro-do-rio.ghtml

[3]http://www.defesa.gov.br/exercicios-e-operacoes/garantia-da-lei-e-da-ordem

[4]BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em:19 out. 2017.

[5]AVERY, J. P. An army outgunned: Physics demands a new basic combat weapon. Military Review, Kansas, v. XCII, n. 4, p. 2-8, jul.-ago. 2012.

[6]SPILLER, R. J. Urban warfare: its history and its future. In: ROBERTSON, W. G. (Ed.). Block by block: the challenges of urban operations. Leavenworth County, Kansas: U.S. Army Command and General Staff College Press, 2003. p. 439-450.

[7]https://steemit.com/sports/@lothar900/m16-rifle

[8]Carlluci, Donald E.; Jacobson, Sidney S.; Ballistic: Theory and design of guns and mmunition; 2008 by Taylor & Francis Group, LLC.

[9]Kim, Nam-Ho Introdução a? análise e ao projeto em elementos finitos / Nam-Ho Kim e Bhavani V. Sankar; tradução e revisão técnica Amir Elias Abdalla Kurban. – Rio de Janeiro : LTC, 2011.

[10] _____. Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa. Brasília: Ministério da Defesa, 2012.

[11]CRONEMBERGER, P. O.; LIMA JÚNIOR, E. P.; GOIS, J. A. M.; CALDEIRA, A. B. Theoretical and experimental study of the interior ballistics of a rifle 7.62. Engenharia Térmica (Thermal Engineering), v. 13, n. 2, p. 20-27, dez. 2014.

[12]OERLIKON-BÜHRLE, A.G. Oerlikon Pocketbook. Oerlinkon-Buhrle AG, Switzerland Zurique, [s.l.] 1958.

[13]ARRAR, C. L.; LEEMING, D. W. Military Ballistics: a basic manual. Oxford, UK: BRASSEY'S PUBLISHERS LTD, 1983.

PROENÇA JR, Domício; DINIZ, Eugenio. Política de Defesa no Brasil: uma análise crítica. Brasília: Editora UnB, 1998. (Série Prometeu. Selo: Humanidades).

[14]SAINT-PIERRE, Héctor L. “Defesa” ou “segurança”? Reflexões em torno de conceitos e ideologias. In: MEI, Eduardo; SAINT-PIERRE, Héctor L. (Org.). Paz e guerra: defesa e segurança entre as nações. São Paulo: Unesp, 2013. cap. 1, p. 11-37.

Referências

AVERY, J. P. An army outgunned: Physics demands a new basic combat weapon. Military Review, Kansas, v. XCII, n. 4, p. 2-8, jul.-ago. 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 19 out. 2017.

_____. Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa. Brasília: Ministério da Defesa, 2012.

CRONEMBERGER, P. O.; LIMA JÚNIOR, E. P.; GOIS, J. A. M.; CALDEIRA, A. B. Theoretical and experimental study of the interior ballistics of a rifle 7.62. Engenharia Térmica (Thermal Engineering), v. 13, n. 2, p. 20-27, dez. 2014.

OERLIKON-BÜHRLE, A.G. Oerlikon Pocketbook. Oerlinkon-Buhrle AG, Switzerland Zurique, [s.l.] 1958.

FARRAR, C. L.; LEEMING, D. W. Military Ballistics: a basic manual. Oxford, UK: BRASSEY'S PUBLISHERS LTD, 1983.

PROENÇA JR, Domício; DINIZ, Eugenio. Política de Defesa no Brasil: uma análise crítica. Brasília: Editora UnB, 1998. (Série Prometeu. Selo: Humanidades).

SAINT-PIERRE, Héctor L. “Defesa” ou “segurança”? Reflexões em torno de conceitos e ideologias. In: MEI, Eduardo; SAINT-PIERRE, Héctor L. (Org.). Paz e guerra: defesa e segurança entre as nações. São Paulo: Unesp, 2013. cap. 1, p. 11-37.

SPILLER, R. J. Urban warfare: its history and its future. In: ROBERTSON, W. G. (Ed.). Block by block: the challenges of urban operations. Leavenworth County, Kansas: U.S. Army Command and General Staff College Press, 2003. p. 439-450.

Fonte:

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DEFESA (SEMINDE)

Santa Maria/RS – 08, 09 e 10 de novembro de 2017

AT4 – Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação nos Setores de Defesa e Segurança Pública

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