O presidente venezuelano, Hugo Chávez, chegou ontem ao Brasil para a cerimônia, hoje em Brasília, na qual seu país será calorosamente recebido como sócio pleno do Mercosul. O esforço do Brasil para incluir a Venezuela – numa manobra à revelia do Paraguai, que, como se sabe, foi colocado de castigo por ter afastado seu presidente conforme manda a Constituição – vai premiar um governo que, além de autocrático, tem uma sinistra relação com o negócio das drogas, como mostra reportagem do New York Times (27/7).
Chávez tem se jactado de ser um campeão na luta contra o narcotráfico. Ele diz que seus soldados destruíram pistas para transporte de drogas, que laboratórios clandestinos foram desmontados e que muita pasta de coca foi apreendida. Além disso, a seu pedido, foi aprovada uma lei que, em tese, facilita a interceptação de aviões dos narcotraficantes. O New York Times, porém, revela que o narcotráfico não só vai muito bem na Venezuela, como o país cedeu um pedaço de território para que as Farc, a narcoguerrilha colombiana, atuem sem serem incomodadas.
A Venezuela responde por nada menos que 24% do trânsito da cocaína sul-americana destinada aos EUA, segundo um relatório americano. Na região onde as Farc intermedeiam a passagem da droga que vem da Colômbia, o New York Times constatou que as pistas destruídas na alardeada ação do Exército foram todas recuperadas pelos narcoguerrilheiros, porque os soldados não tomaram nenhuma medida para evitar sua rápida reconstrução. Ou seja: a ação contra o tráfico serviu apenas para a foto que interessava a Chávez.
Mais da metade da cocaína que transita pela Venezuela passa pelo Estado de Apure, na fronteira com a Colômbia, desde que Chávez interrompeu oficialmente sua colaboração com o governo americano no combate às drogas, em 2005. Em boa parte dessa região, o controle das Farc é absoluto. Moradores contam que os narcoguerrilheiros praticam extorsão e ocupam propriedades. E os venezuelanos dizem ter medo de denunciar a atividade criminosa às autoridades porque sabem que há conluio entre elas e as Farc.
Esse receio tem fundamento, segundo a Casa Branca. Para Washington, a "permissividade corrupta" do governo venezuelano dá total liberdade de ação para o narcotráfico. Mas a promiscuidade é ainda mais profunda, porque altos funcionários chavistas estão envolvidos até o pescoço com as Farc.
Dois ex-magistrados venezuelanos, Eladio Ramón Aponte Aponte e Luis Velásquez Alvaray, vêm contando detalhes sobre essa relação. Aponte, que foi presidente da Suprema Corte e um dos homens fortes do regime chavista, acusou quase toda a cúpula do poder venezuelano, abaixo de Chávez, de fazer parte de uma grande rede sul-americana de narcotráfico.
Velásquez Alvaray, por sua vez, afirmou que a Venezuela recebe da China armas e equipamentos militares como forma de pagamento por petróleo e que uma parte desse arsenal vai para as Farc. A operação, segundo ele, é comandada por Hugo Carvajal – atual vice-ministro do Interior, recém-nomeado por Chávez justamente para o combate às drogas. O Departamento do Tesouro americano afirma que Carvajal é importante colaborador da operação de narcotráfico das Farc. Além dele, o ministro da Defesa venezuelano, Henry Rangel Silva, também é acusado por Washington de ajudar a guerrilha colombiana a traficar cocaína. Com gente desse naipe em funções tão estratégicas, não admira que as Farc controlem tranquilamente uma parte do território venezuelano e tenham total liberdade para fazer dali sua plataforma de negócios ilícitos.
Mas o chavismo não se envergonha disso. Ao contrário: um dos líderes das Farc, Iván Ríos, disse que o narcotráfico, principal fonte de financiamento da guerrilha, era uma forma de "resistência à opressão", uma maneira de confrontar o capitalismo do "império". É desse gangsterismo dialético que se alimenta o projeto "bolivariano".
A realidade é que o Mercosul, cujas normas demandam democracia e transparência, está se abrindo a um país cujo governo tem dado reiteradas mostras de que tem muito a esconder.