Nota DefesaNet
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Sob fogo cerrado nas últimas semanas, principalmente pelo papel confuso que o Brasil cumpriu na crise do Paraguai, o ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, está convicto de que não havia alternativa além de afastar o país do Mercosul e da Unasul. Nesta entrevista à ISTOÉ, o chanceler diz que a parceria com a Venezuela é importantíssima para o bloco e que vinha sendo costurada há mais de uma década. Patriota ainda pontua as diferenças na política externa do governo Lula e da presidenta Dilma Rousseff. O Brasil, segundo ele, mantém o papel de liderança internacional, mas de forma mais discreta. Dilma teria dado "uma marca muito pessoal", decidindo priorizar acordos nas áreas de ciência, tecnologia e inovação. Outra importante diferença é a postura de distanciamento em relação às convulsões sociais no mundo árabe. "O Brasil se solidariza com movimentos de grupos que foram excluídos dos processos políticos, mas há ações violentas que geram crise", ponderou.
Istoé – O Brasil não se equivocou ao afastar o Paraguai do Mercosul?
Antônio Patriota – Não há mais espaço para aventuras antidemocráticas na nossa região. Nós, membros do Mercosul, subscrevemos o Protocolo de Ushuaia que é um compromisso com a democracia. No caso do Paraguai, o juízo político não observou o amplo direito de defesa. E isso, na opinião unânime dos membros do Mercosul e da Unasul, configurou uma ruptura do processo democrático.
Istoé -A decisão não foi tomada apenas para favorecer a Venezuela?
Antônio Patriota – Isso é uma incompreensão dos fatos. As decisões relacionadas com o Paraguai têm a ver com o rito sumaríssimo no Paraguai de destituição do presidente.
Istoé – Mas o resultado concreto não é que a Venezuela conseguiu seu ingresso no bloco com a saída do Paraguai, que vetava sua participação?
Antônio Patriota – O ingresso da Venezuela é discutido desde o início da década. No ano passado, na Cúpula de Montevidéu, já se vinha discutindo como fazer para promover a participação plena da Venezuela. Agora, por uma declaração dos presidentes do Brasil, da Argentina e do Uruguai, a Venezuela será incorporada oficialmente ao Mercosul em 31 de julho.
Istoé – Essa parceria com a Venezuela de Hugo Chávez é benéfica para o Brasil?
Antônio Patriota – A Venezuela é o quarto PIB da América do Sul, tem a quarta população da região e uma economia dinâmica. Com a sua entrada, o Mercosul se estenderá da Patagônia ao Caribe. A reserva petrolífera venezuelana está entre as maiores do mundo, de modo que é um ganho enorme. O Brasil está se transformando num dos principais parceiros da Venezuela em matéria de comércio, investimentos em infraestrutura, cooperação na área agrícola e essa rede de cooperação econômica deverá aumentar ainda mais. É uma evolução interessante na história recente da Venezuela, que sempre foi um país muito voltado para os mercados consumidores do seu petróleo, o Norte.
Istoé – E os paraguaios como ficam?
Antônio Patriota – Não tomaremos nenhuma decisão que prejudique a população paraguaia ou qualquer medida de natureza econômica. Ficou claro que prosseguirão os programas de cooperação com o Paraguai, por exemplo, sobre o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (os recursos somam anualmente US$ 100 milhões e o Paraguai tem direito a 48% deles).
Istoé – O sr. tem sido criticado por uma gestão discreta no Ministério das Relações Exteriores. O que acha disso?
Antônio Patriota – Diplomacia não é publicidade. Diplomacia é abertura de canais, de diálogos que promovam o interesse do Brasil. E, hoje em dia, os interesses do Brasil são nacionais, mas também são interesses pelo funcionamento do sistema internacional. Nós queremos um sistema internacional que propicie a cooperação e a estabilidade, a paz e a previsibilidade. Não queremos o mundo multipolar da confrontação ou da dificuldade de comunicação. Queremos que exista uma governança que contribua para que encontremos soluções equânimes, levando em consideração diferentes interesses, em particular os dos países menos desenvolvidos.
Istoé – A política externa do governo Lula não dava maior projeção ao Brasil?
Antônio Patriota – Temos projeção sim. Existe uma marca muito pessoal da presidenta Dilma que é a ênfase em ciência, tecnologia e inovação, presente em todos os comunicados conjuntos e nas visitas que ela realiza. Na China, esse tema ganhou ênfase. Além disso, há o programa Ciência sem Fronteira que vem sendo levantado em quase todas as visitas bilaterais, sobretudo com parceiros mais desenvolvidos, em que há um ganho evidente. Outra característica das viagens presidenciais tem sido uma incorporação da dimensão empresarial de apoio à presença do setor privado brasileiro em diversas partes do mundo.
Istoé – O que há de concreto nessa área?
Antônio Patriota – O importante é a diversificação da pauta de exportação, a busca de parcerias que sejam mutuamente benéficas, que contribuam para que nós não nos apresentemos apenas como consumidor de commodities. É preciso que haja uma pauta de valor agregado nas exportações brasileiras e investimentos produtivos, que contribuam para a competitividade industrial brasileira.
Istoé – Que novas relações o Brasil quer construir?
Antônio Patriota – Um exemplo é a relação com a Ásia, com os países do Sudeste Asiático, com os quais nós vamos assinar tratado de amizade e cooperação. Será o primeiro passo para uma maior aproximação comercial de um agrupamento que tem em conjunto um PIB mais ou menos comparado com o Brasil, mas uma exposição maior no comércio internacional.
Istoé – O Brasil teve grande destaque na consolidação dos Brics e no fortalecimento do G-20. Hoje, o País ainda desempenha um papel de liderança?
Antônio Patriota – O Brasil demonstra liderança em inúmeras áreas. Um bom exemplo é a Rio+20. Quer outro exemplo? Brasília já é um dos centros de atividades diplomáticas mais dinâmicos no mundo emergente. As estatísticas mostram bem esse cenário. No ano passado, recebi em Brasília, no ano inteiro, 30 chanceleres estrangeiros. Este ano, até julho, já recebi 25. É uma atividade diplomática intensa. O mesmo acontece com a presidenta Dilma, que recebeu, em 2011, 16 chefes de Estado e em 2012 já recebeu 15. Isso sem falar em todas as reuniões bilaterais que ela manteve à margem da Rio+20, que inclui encontros, por exemplo, com os presidentes da França, da China, de Cuba e da Dinamarca.
Istoé – Nem todas as avaliações foram positivas sobre a Rio+20. Alguns setores da sociedade civil chamaram a conferência de Rio menos 20.
Antônio Patriota – A avaliação que eu faço é extremamente positiva. A Rio+20 é a mais participativa das Nações Unidas, com plena participação da sociedade civil, além da negociação do documento final, que pode ser considerado um êxito por ter sido concluído antes do início da cúpula. Quando assistimos a isso? Em Copenhague? Em Cancún? Onde assistimos a certo descontrole do processo negociador? Na Rio+20 nós mantivemos um processo sob controle e foi considerado satisfatório. Mais do que satisfatório, o documento aprovado foi um marco.
Istoé – Comparando-se com o governo Lula, porém, parece que a política externa ficou mais tímida.
Antônio Patriota – O Brasil desenvolveu uma rede extensa de embaixadas, estabeleceu relações diplomáticas com todos os membros das Nações Unidas, dispõe de mecanismos de aproximação de diferentes grupos de países. Além do esforço de integração no Mercosul e na Unasul, o Brasil se coordena com a Índia e África do Sul no contexto do Ibas. Existem as cúpulas da América do Sul e dos países árabes, que deverão se reunir no segundo semestre, e as cúpulas da América do Sul e da África, que também devem se reunir em novembro.
Istoé – Por que o Brasil mantém uma postura cautelosa, quase em cima do muro, com relação aos levantes no mundo árabe?
Antônio Patriota – Nós tivemos um evento envolvendo a diáspora de origem árabe no Brasil e a diáspora de origem judaica, até para debater um pouco a situação Israel-Palestina e a situação do mundo árabe. Um dos palestrantes usou uma imagem interessante ao falar da primavera árabe. Disse que talvez seja menos uma primavera e mais uma grande tempestade de areia. O mundo árabe passa por uma tempestade de areia, que nós não sabemos exatamente como vai ficar quando a areia assentar. O Brasil obviamente se solidariza com os movimentos por maior participação de grupos que foram excluídos dos processos políticos nas últimas décadas. Mas também existem ações violentas, que geram crise e instabilidade.
Istoé – O Brasil foi um dos cinco países que se abstiveram quanto à intervenção militar na Líbia.
Antônio Patriota – A crise na Líbia nos preocupou. Agora a Líbia está se encaminhando para o processo de transição democrática, que nós apoiamos, inclusive com a nomeação de um novo embaixador para Trípoli (Afonso Carbonar), depois de 15 meses de a embaixada ter sido fechada no país. Hoje, a Síria vive uma situação de grave indefinição, o que é um fato muito preocupante. Nós apoiamos os esforços do ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan e manifestamos uma grave preocupação quanto ao uso de armamento pesado para repressão de manifestantes por parte do governo Assad (ditador sírio Bashar Al Assad).
Istoé – E a relação com os Estados Unidos? O Brasil está cada vez mais distante dos americanos?
Antônio Patriota – Não sei se a afirmação é correta. Nos Estados Unidos, a presidenta Dilma se reúne no Fórum dos Altos Executivos dos dois países, juntamente com o presidente Barack Obama. Em abril, na visita dela aos EUA, foi criado um grupo sobre inovação, sob a égide da Comissão de Cooperação Científica Tecnológica. A relação com os Estados Unidos vem se desenvolvendo com incrementos de atividade econômica. A balança comercial tem conhecido sucessivos recordes, às vezes com superávit, às vezes com déficit, mas atingindo números cada vez maiores. Foi criado um diálogo global entre os dois chanceleres. Eu e a Hilary Clinton temos nos falado frenquentemente e sistematicamente para comentar a realidade internacional. A relação é muito próxima e tem um componente de cooperação econômica e comercial forte, tradicional, e que hoje em dia se aprofunda e se amplia.