“Brasil perde influência regional com avanço chinês”

O anúncio de investimentos bilionários da China deverá ter reflexos positivos e negativos para a economia brasileira, avalia Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade de Columbia.

Para ele, o fortalecimento da parceria entre os dois países ajuda o Brasil num momento de ajustes econômicos, mas faz o país perder espaço na América Latina. "O Brasil vê seu papel como centro irradiador de poder na América Latina reduzido diante do avanço da influência chinesa", opina, em entrevista à DW Brasil.

DW: O anúncio de investimentos bilionários da China no Brasil sela uma mudança de patamar nas relações bilaterais?

Marcos Troyjo: A corrida chinesa rumo ao status de superpotência econômica se deveu sobretudo ao extraordinário sucesso na aplicação de uma estratégia de nação comerciante. Mas o gigantismo comercial da China não se fez acompanhar do papel do país como grande fonte de investimentos estrangeiros diretos.

Com esta parceria, o Brasil amplia sua filiação internacional à economia chinesa e afasta-se proporcionalmente dos tradicionais centros provedores de liquidez e IEDs (investimentos estrangeiros diretos). Além disso, vê seu papel como centro irradiador de poder na América Latina reduzido diante do avanço da influência chinesa.

Será criado um fundo de até 50 bilhões de dólares para financiar projetos de infraestrutura. Em que medida todo esse dinheiro significa um alívio para o Brasil, em momento de ajuste fiscal?

É uma contribuição importante ao fortalecimento da infraestrutura no país. Conjunturalmente, o ajuste fiscal restringe novos comprometimentos orçamentários e, mesmo antes da bagunça macroeconômica dos últimos anos, o Brasil já vinha com uma taxa média de investimento em torno de apenas 16% do PIB, nível muito abaixo dos países emergentes mais dinâmicos. O capital chinês voltado à infraestrutura é muito bem-vindo.

Há contrapartidas para o Brasil ao receber os financiamentos da China?

Pequim dimensiona pragmaticamente seus interesses na região, que é fonte de matérias-primas e destino seguro para suas exportações de bens manufaturados. A grande parte das contrapartidas exigidas vem na forma de abertura para acesso prioritário chinês a energia, mineração, transporte, agropecuária e outros setores-chave.

Como o investimento no Brasil se diferencia do feito em outros países da região, como México e Equador?

O Equador é essencialmente sustentado pela exploração de bens primários. Já o México atrai capitais chineses que buscam acesso privilegiado aos mercados como o Nafta e a União Europeia. A natureza do investimento chinês no Brasil é bem distinta, pois a maior parte do aporte de capital em empresas não visa fazer do país uma grande plataforma de exportações, mas, sobretudo, focar na provisão ao mercado interno brasileiro.

A China é conhecida por realizar megaprojetos em tempo recorde. Pode-se esperar um cabo de guerra entre a "eficiência chinesa" e a burocracia brasileira?

Este será um interessante cabo de guerra, pois, além da conhecida burocracia brasileira, o país ainda tem de operar num contexto de múltiplos atores institucionais – governos federal, estadual e municipal, Ministério Público, agências reguladoras – além de um forte lobby ambiental.

Não foi apenas a falta de capital, mas o imbróglio institucional que inviabilizou um trem rápido no trajeto Rio-São Paulo. Ao mesmo tempo, a China construiu linhas ferroviárias de alta velocidade, como a que interliga em menos de 5 horas os 1.300 quilômetros entre Pequim e Xangai – tudo construído ao longo de apenas 39 meses. Apesar de uma maior participação da China como fonte de investimentos para o Brasil, não creio que consigamos reproduzir o fenômeno dos megaprojetos implementados à velocidade da luz.

A chamada eficiência chinesa é com frequência criticada por só ser possível à custa da exploração de trabalhadores. Que papel isso pode ter nessa nova etapa da relação com o Brasil?

Embora essas violações seguramente continuem a existir, elas são bem menos intensas do que durante o período de grande arremetida chinesa, baseado no modelo de nação comerciante. Hoje não há tanta diferença, por exemplo, no salário pago na manufatura em termos de homem-hora entre as economias mexicana e chinesa.

De fato, o Brasil prefere desfrutar do comércio com a China a vocalizar uma crítica à condição laboral chinesa. É, sem dúvida, mais uma das contradições que caracterizam a política externa brasileira dos últimos 12 anos.

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