Venezuela perde “apoio incondicional” de aliados

Fabio Murakawa


Pressões do Brasil pela realização de eleições parlamentares no final do ano; críticas do Equador a prisões arbitrárias de opositores; alerta do ex-presidente do Uruguai, José Mujica, sobre a possibilidade de um golpe militar de esquerda no país; bate-boca acalorado com o novo vice-presidente do Uruguai, Raúl Sendic, chamado de "covarde" pelo presidente Nicolás Maduro por dizer que não há provas de ingerência dos Estados Unidos na política venezuelana.

Todos esses episódios, envolvendo tradicionais aliados do governo chavista, ocorreram nas últimas semanas, no momento em que a Venezuela se afunda na crise econômica e Maduro recorre a um autoritarismo cada vez mais explícito para calar opositores.

Até a presidente argentina, Cristina Kirchner, que costuma ser mais vocal a respeito de seu apoio ao chavismo, pouco tem se manifestado nos últimos tempos. Analistas e outras fontes ouvidas pelo Valor dão uma interpretação unânime: acabou a era do apoio incondicional à Venezuela.

Segundo as fontes, a frágil situação política da presidente Dilma Rousseff, somada às dificuldades econômicas do Brasil, também dificulta uma defesa enfática da Venezuela – cujo alinhamento com o PT é alvo de críticas por parte da oposição brasileira.

Dilma tem 13% de aprovação, segundo pesquisa Datafolha – metade da popularidade atribuída a Maduro na Venezuela, 25,5%, em pesquisa Datanalisis da semana passada.

"Nossos vizinhos já não podem dar um cheque em branco para o governo venezuelano", diz Carlos Romero, professor de Relações Internacionais da Universidade Central da Venezuela. "As condições políticas na região fazem com que criticar a situação na Venezuela seja parte da crítica sobre o próprio governo desses países."

Fontes do governo brasileiro afirmam que há mais de um ano a deterioração econômica e a radicalização do clima político na Venezuela preocupam o Palácio do Planalto. Mas o que gerou a mudança na postura em relação a Caracas foi a prisão em fevereiro de Antonio Ledezma, prefeito metropolitano de Caracas, acusado de tramar um golpe contra Maduro.

Aparelhada pelo chavismo, a Justiça venezuelana já havia encarcerado outro opositor de destaque, Leopoldo López, após a onda de protestos contra o governo no ano passado. A deputada Maria Corina Machado, que também liderou as manifestações de 2014, teve o mandato cassado, em meio a uma manobra da Assembleia Nacional, controlada pelo chavismo.

O trio pede abertamente a saída imediata do presidente eleito. Isso facilitou a Maduro qualificá-los como golpistas, em sua estratégia de encarcerar os líderes a oposição mais radical. Mesmo assim, a prisão televisionada de um prefeito eleito pelo voto, retirado de seu escritório por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) fortemente armados, foi muito mal vista internacionalmente.

A prisão de Ledezma motivou a visita de uma comissão da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) a Caracas, formada pelos chanceleres de Brasil, Equador e Colômbia, oficialmente para reavivar o diálogo entre governo e oposição. Fontes, porém, afirmam que Maduro ouviu dos chanceleres dois recados claros. Um deles, diretamente do equatoriano Ricardo Patiño, que disse aos venezuelanos que a prisão de opositores tornava difícil fazer a defesa do governo de Caracas em seu país. O segundo: é essencial que se realizem as eleições parlamentares no fim do ano.

Dias depois, após reunião da Unasul, em Quito, para discutir a situação venezuelana, o Itamaraty divulgou nota dizendo que o chanceler "Mauro Vieira destacou a importância das garantias recebidas das autoridades competentes venezuelanas de que as eleições legislativas serão convocadas em breve". Segundo fontes, um claro recado, em "linguagem diplomática", para que Maduro não caia na tentação de adiar ou cancelar a votação, diante da possibilidade de perder a maioria no Legislativo.

"Há uma clara mudança de tom em relação a notas divulgadas nos anos anteriores", diz uma fonte do governo brasileiro. "O apoio já não é incondicional. Eles [os venezuelanos] não podem fazer tudo o que quiserem." Na opinião dessa fonte, "ficará difícil configurar que a Venezuela é uma democracia" se as eleições forem canceladas. Já a declaração de Mujica, alertando sobre a possibilidade de um golpe militar de esquerda, "é mais uma clara sinalização de que a esquerda tradicional, pré-Chávez, está vendo que o caminho da política de Maduro pode ir para um lado não democrático".

Segundo Nicholas Watson, analista da Teneo Intelligence, em Bogotá, líderes como Mujica e Dilma, com histórico de lutas contra ditaduras militares, sentem muito incômodo com o recrudescimento da repressão na Venezuela. Além disso, diz ele, causa inquietação a ampliação do poder dos militares no governo Maduro em relação ao do antecessor, Hugo Chávez.

Os militares ocupam atualmente boa parte dos ministérios venezuelanos, com postos-chave como o Ministério das Finanças, da Justiça e da Defesa. Também controlam toda a infraestrutura aérea, os portos e as fronteiras. E, num país que importa quase tudo o que consome, e que sofre com escassez, a distribuição dos alimentos, medicamentos e diversos produtos está nas mãos das Forças Armadas.

"Com um presidente frágil como Maduro, os ministros e governadores militares têm uma influência política e econômica enorme", afirma Watson. "Na prática, a Venezuela tem hoje um governo militar sob a fachada de um presidente civil."

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